22º Encontro Nacional de Deficientes

APRESENTAÇÃO

 

Rogério Palma Rodrigues, médico ortopedista; aposentado na categoria de Chefe de Serviço de Ortopedia da Carreira Médica Hospitalar;

Mestre em Gestão dos Serviços de Saúde (ISCTE Business School – 1999);

Ex-Director do Serviço de Ortopedia; Ex-Director do Departamento do Aparelho Locomotor

Coordenador da Unidade de Patologia da Coluna Vertebral & Escolioses do Hospital Ortopédico do Outão – Centro Hospitalar de Setúbal

 

AGRADECIMENTO do CONVITE

 

Ao Senhor Presidente José Reis e demais direcção da CNOD instituição de mérito, defensora de causas justas, agradeço o amável convite, que muito me honra, de participar neste 22º Encontro da CNOD.

Cumprimentos afectuosos aos presentes e também aos ausentes que gostariam de aqui estar, mas não puderam por circunstâncias da vida.

Aproveito a oportunidade para, na qualidade de autarca de Setúbal, dar a todos os participantes neste Encontro as boas vindas, desejar-lhes uma agradável estadia nesta cidade em progresso, como é visível, apesar das negras e ameaçadoras nuvens que pairam sobre este nosso país e toda a nossa região. Apreciem se puderem, tudo aquilo que Setúbal tem de bom, por exemplo a gastronomia com base no seu inigualável peixe.

Peço-vos, ainda, que voltem sempre que puderem.

A MINHA PROXIMIDADE COM A INCAPACIDADE FUNCIONAL DA PESSOA PORTADORA de DEFICIÊNCIA deve-se, basicamente, a duas circunstâncias

A primeira é a circunstância profissional – como cirurgião do aparelho locomotor adquiri a perspectiva da incapacidade funcional de vários graus, resultante, na maior parte das vezes, de causa externa de lesão traumática – sinistralidade rodoviária e feridos da guerra (minas) – mas também nas sequelas de doenças infecciosas transmissíveis como a poliomielite, ou ainda no diagnóstico e tratamento de incapacidades resultantes de doenças não transmissíveis e degenerativas do idoso, cada vez mais frequentes e a que é necessário dar resposta. Dar resposta, como, aliás, a todas as outras situações mórbidas, porque todos têm o mesmo direito a receberem os tratamentos de que carecem de modo a minorar a sua incapacidade, superando a deficiência na medida do possível, porque,

– os direitos são iguais e estão constitucionalmente consignados,

– mas as necessidades são diferentes e daí os meios e recursos avocados serem variáveis de caso para caso.

Todavia, sempre sob o lema, traduzido pela frase lapidar de Karl Marx, de 1875:

Todavia, sempre sob o lema, traduzido pela frase lapidar de Karl Marx, de 1875:

“de cada qual, segundo a sua capacidade; a cada qual, segundo as suas necessidades.”

Princípio que no campo da saúde tem sido garantido pelo SNS, mas que terá de ser defendido porque, como sabemos, está ameaçado.

A segunda decorre da minha condição de cooperante – missões nos PALOPs que me permitem lidar com a incapacidade e a deficiência.

Estive na Guerra Colonial, como médico militar, no norte de Moçambique, zona de Mueda capital do Planalto dos Macondes, nos idos de 70 do passado Século.

Fiquei sempre com aquela tão frequente ligação afectiva a África e hoje sou cooperante no campo da saúde, cumprindo frequentes missões nos países africanos lusófonos, na qualidade de consultor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT-UNL).

Uma dessas missões, em Angola, constava exactamente de participar no – Programa Nacional de Recuperação da Pessoa Portadora de Deficiência Sensório Motora.

O Programa resultou de uma parceria entre:

– Ministério da Saúde da República de Angola – Direcção Nacional de Recursos Humanos, Direcção Nacional de Saúde

– Ministério da Saúde de Portugal – Direcção Geral da Saúde (Divisão de Cooperação Internacional de que fui consultor).

– Parceria participada pela União Europeia – Entidade financiadora.

Porquê este programa?

Pela flagrante escassez de RH em saúde que não permitia no interior do país, o tratamento dos incontáveis mutilados vítimas em particular da guerra civil.

Amputações dos membros inferiores, não tanto de ex-militares beligerantes, mas sobretudo de mulheres e de crianças que sofreram os efeitos, eufemisticamente ditos “colaterais”, de uma guerra que não era sua.

 

 

Amputações de membros por explosão de minas antipessoal – essas caixinhas de morte semeadas nos trilhos – porventura a mais cobarde das armas, que atinge sem discriminar militares ou civis, adultos ou crianças, estas sobretudo, porque mais incautas e irrequietas.

Armas terríveis, as minas, pelos esfacelos sem remédio que provocam e tantas vezes conduzem à morte por hemorragia ou por infecção pois se trata de feridas ortopédicas altamente conspurcadas com terra ou restos de vestuário ou calçado.

As minas são armas terríveis que podem, enterradas, aguardar mais de 30 anos até que alguém as pise e, naturalmente, no cenário de guerra ninguém fez mapas da sua localização para mais tarde as desactivar.

Por isso a desminagem é tão morosa e difícil. Não só pelo facto de se não saber a localização, mas também porque fabricar uma mina custa cerca de 3 dólares e desactivá-la ultrapassa os 1000 dólares!

E é também por isso que as estatísticas apontavam não há muito tempo para cerca de 2.000 vítimas por mês em todo o mundo, (sobretudo civis e crianças, estas com piores efeitos se vão descalças, como em África é tão vulgar)

Por isso, também, de acordo com relatórios da ONU, ao ritmo de desactivação actual, ainda haverá minas na terra daqui a 1.000 anos!

As suas vítimas são exemplos flagrantes da deficiência evitável.

Se atentarmos na definição de SAÚDE fixada pela OMS em 1948, que diz ser a SAÚDE um

estado de completo bem-estar físico, mental e social…

Veremos que os anos perdidos de vida saudável, são-no por doença, ou por deficiência ou por morte prematura, quando esta acontece antes de atingidos os anos de vida esperados ao nascer (agora tomada como referência a esperança de vida no Japão: 80 anos para os homens; 82,5 para as mulheres).

Os anos perdidos de vida com saúde, devem-se sempre a factores ligados

 

  • AO MEIO AMBIENTE que nos cerca
  • AOS ESTILOS DE VIDA que levamos
  • Às CONDIÇÕES BIOLÓGICAS que herdamos

 

Os quais condicionam as necessidades humanas em saúde

Ora a guerra, a fome, as privações, o desrespeito pela dignidade e a negação de todos os direitos humanos e de cidadania não são nem criam

 

  • AMBIENTES APETECÍVEIS
  • ESTILOS DE VIDA SAUDÁVEIS QUE SE SIGAM
  • NEM SÃO BIOLOGICAMENTE PROPÍCIOS OU RECOMENDÁVEIS

 

Poderíamos afirmar, então, que o problema actual da humanidade e no planeta, não é tanto o da integração social da pessoa portadora de deficiência física, mental ou social (que é insuficiente e imperfeita, mas possível); é antes a criação da doença, deficiência ou morte prematura como resultado da actividade político-social desregulada que conduz ao conflito entre os povos e nas sociedades gera desigualdade entre os cidadãos.

Em ambas as perspectivas, da origem da deficiência e da integração, o problema é universal e solucioná-lo pressupõe as condições básicas de PAZ e de DEMOCRACIA política, económica e social.

Deixem-me dizer-vos que considero que têm toda a razão e que partilho convosco a ideia de que

TEMOS DIREITOS PELOS QUAIS VALE A PENA LUTAR

Naturalmente que esses direitos serão todos aqueles inerentes à pessoa humana, considerados na Declaração Universal desde 1948.

Mas eu atenho-me em particular ao DIREITO Á SAÚDE, que não é antigo no Mundo, nem na Europa e que em Portugal tem poucas décadas de reconhecimento.

Pois se a escravatura em Portugal foi abolida por Decreto de Sá da Bandeira e Passos Manuel, de direito e de modo pioneiro, mas não de facto, vai fazer no mês que vem 178 anos, (10.12.1836)!

Se só há 114 anos, em 1900, Ricardo Jorge cria os “SERVIÇOS DE SAÚDE E BENEFICÊNCIA PÚBLICA”, suportados pelo Estado para tratar pobres e indigentes! (Os abastados e remediados tratavam-se em clínica privada)

Se só em 1958, já em nossas vidas, foi criado um Ministério da Saúde do Governo de Portugal!

Se só em 1978, na Conferência Internacional sobre Cuidados de Saúde Primários, realizada em Alma-Ata, a saúde é defendida e proclamada como direito fundamental e como a principal meta social de todos os governos.

Se foi já dos nossos dias o reconhecimento desse direito à saúde, então admiremo-nos da extraordinária visão estratégica e do real valor que constituiu para o Povo Português a criação em 1979 de um S.N.S. UNIVERSAL, isto é, abrangendo todos os cidadãos, GERAL, ou seja, que garante todo o tipo de cuidados de saúde de que o cidadão careça e GRATUITO, para o cidadão no momento em que recebe os cuidados, pois que, os custos serão depois suportados pelo OGE.

Não haverá mais justo e solidário sistema de prestação de cuidados de saúde, que a todos garante os tratamentos de que necessitam, independentemente da sua capacidade económica.

Mas desde o seu nascimento, o S.N.S. teve adversários e inimigos de morte!

De facto, logo 2 anos depois, em 1981, o Ministro dos Assuntos Sociais (e Saúde) do VII Governo Constitucional presidido por Pinto Balsemão, clamava para quem o quis ouvir (e eu ouvi) :

“Quem quer saúde paga-a…!”

E hoje persistem e é nesta fase de recuo civilizacional tentado em que nos encontramos, que nós Povo Português, presenciamos uma ofensiva sem quartel, de natureza legislativa e orçamental, contra a jóia da coroa da Revolução de Abril, o Serviço Nacional de Saúde!

Sobram as provas para suportar esta afirmação.

Basta ler os jornais de ontem para encontrar 3 notícias sintomáticas:

1ª – António Arnaut, fundador do SNS, afirma que a exigência dos credores a Portugal “da redução da dívida para 60% do Produto Interno Bruto (PIB), é justamente para, dessa forma, destruir por asfixia o Estado Social e mercantilizar a saúde, o ensino, as aposentações e as reformas”.

2ª – França paga até 15 mil euros a médicos de família portugueses. A falta de clínicos leva França e Irlanda a recrutar profissionais portugueses. Por cá, em início de carreira, estes profissionais ganham 2746 euros brutos.

3ª – Portugal, cada vez mais um país de velhos: 2,8 milhões de idosos e 900 mil crianças.

 

São todas muito más notícias para o S.N.S.

 

 

PARA TERMINAR

 

Tem sido dura a luta do Homem pela conquista de direitos e por uma vida digna, que os interesses instalados lhe vão sistematicamente negando e que, mesmo quando alcançados, nunca desistem de, de novo, lhos retirar.

Essa luta sempre exigiu a derrota dos poderosos que beneficiam com o sofrimento dos fracos e oprimidos, desde a burguesia negreira do Século XIX que via finar-se o mercado de escravos, aos poderosos investidores capitalistas do sector da Saúde que, no tempos que correm vêem nela um rico negócio.

Tendes razão, LUTAR É PRECISO!

 

OBRIGADO

22º Encontro Nacional de Deficientes

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